A GAIVOTA de Anton Tchékhov
Esta peça foi apresentada no palco do Teatro Helena Sá e Costa em 28, 29 e 30 de novembro, 1 e 2 de dezembro de 2018
Quarta-feira, 1 de julho, 21h30
Para assistir: www.esmae.ipp.pt/revisitar-palco-thsc
Encenação: José Eduardo Silva
Assistência de encenação: Rosário Costa
Sobre o processo
Ao trabalhar sobre os temas que Tchékhov veio introduzir na A Gaivota com este interessante grupo de futuros profissionais das artes do espectáculo, não pudémos deixar de tomar em consideração a realidade partilhada do que é ser artista de teatro na actualidade. Aquilo em que o Teatro se tem vindo a tornar, aquilo que é no momento presente e as projecções aquilo que desejaríamos que viesse a ser no futuro.
Neste processo, intencionámos assim, não apenas apelar às capacidades técnicas de cada participante para a execução das tarefas que este clássico de Tchékhov propõe, mas também criar o espaço necessário para o acolhimento das propostas criativas de cada um/a. Por outras palavras, procuramos, no espaço de tempo reservado a esta produção, encarar o objecto estético performativo como o resultado de um processo criativo partilhado, deixando-o em aberto durante o máximo tempo possível, mas de forma a ser passível de ser apresentado ao público a qualquer momento.
Desta abordagem de A Gaivota resultaram, até agora, pelo menos duas materializações que, em relação ao texto original de Tchékhov, nos parecem ser particularmente relevantes por apresentarem desafios consideráveis, tanto para os actores e actrizes como para a restante equipa criativa.
A primeira delas é que todas as personagens serão representadas por um actor ou uma actriz do sexo oposto ao da proposta original, ou seja, os nomes foram mantidos assim como as circunstâncias, os estatutos e os subtextos das personagens, mas o seu género é agora outro.
A segunda é que foi introduzida a perspectiva de uma personagem que, sendo pouco mais do que um figurante, quase não tem voz na peça de Tchékhov. Trata-se da personagem Yakov. Uma personagem esquecida e deserdada da possibilidade de exprimir a sua opinião ou de intervir nos acontecimentos onde decorre a sua vida. Apelidámos carinhosamente esta personagem de “o nosso elemento Brechtiano”. O que terá ela a dizer em 2018, sobre a sua condição desempoderada e sobre a realidade que a rodeia? No cruzamento da história do teatro com a evolução da cultura humana, como não concordar com António Damásio (2017) quando demonstra o absurdo de todas as comparações entre a complexidade e sofisticação de um ser humano e a linearidade mecanicista de uma máquina (por mais evoluído que seja o seu grau de “processamento”)? Como não levar a sério os estudos do economista contemporâneo Thomas Piketty e de vários outros seus colegas (e.g., Paul Krugman, Joseph Stiglitz)? Não será a economia que deve servir os seres humanos ao invés se serem estes a servir a economia?
No momento em que escrevo este texto há muito mais perguntas do que respostas e ainda tudo está em processo de criação, escrita, experimentação e revisão. É um processo inquietante como inevitavelmente o são os processos de criação artística.
Sendo certo que a palavra Arte resulta da Latinização (Ars) do conceito Grego Teknè (arte/técnica) a estas inquietações respondemos com o mesmo método que o teatro tem utilizado ao longo dos milénios da sua existência: perseverar no trabalho artístico diário.
Adaptar-se até quase sucumbir, para depois renascer e superar-se.
Criar novas formas, mesmo duvidando da possibilidade da sua existência.
Construir e reconstruir, dia após dia, um objecto estético que não dispensa, em nenhum momento, a entrega das mentes e dos corpos dos seus criadores. Corpos inevitavelmente frágeis, mas indispensáveis para apontar novos caminhos e novas possibilidades para a melhoria de futuro para a espécie humana.
Num tempo em que a cultura tarda em encontrar formas universalmente plausíveis para enquadrar e minorar a precaridade das existências humanas que a constroem, haverá maior generosidade do que a destes jovens artistas?
José Eduardo Silva
Sinopse
“Não devemos representar a vida como ela é nem como devia ser, mas sim como se nos apresenta nos sonhos.”
Kóstia, In A Gaivota, de Anton Tchékhov
Como é habitual nas obras que surgem à frente do seu tempo, escrita em 1895, A Gaivota começou por ser um incompreendido fracasso para se vir a tornar um estrondoso sucesso. Como a citação acima ilustra, é uma obra que, inclusivamente, prenuncia movimentos artísticos que só atingiram o seu apogeu mais de cinquenta anos depois. Mas o problema que se nos coloca hoje é: com tudo o que de inovador e revolucionário que A Gaivota trouxe aos finais do século XIX, como encaramos esta obra com o nosso olhar contemporâneo? Numa primeira instância, observamos a performatividade de género e ressalta a questão do desejo e do seu esgotamento. Do desejo que se frustra e que se sublima, do desejo que se realiza, do desejo pelo qual se tem que lutar muito para que ele seja realizado e do desejo pelo qual se luta muito, mas que se vê sempre frustrado para além de toda a suportabilidade. É a vida na sua dimensão simultaneamente trágica e patética. Uns refugiam-se na Arte, outros refugiam-se no campo, outros refugiam-se na fama outros no anonimato, uns podem fazer escolhas e outros nem por isso.
Senão vejamos:
Kóstia deseja ser uma escritora (como a sua madrasta Trigórin) e ama Nina, que deseja ser um actor famoso (como Irina, o Pai de Kóstia). Mas, Nina, apaixona-se por Trigórin.
Medvedenko é uma pobre professora e está apaixonada por Machenka. Mas Machenka está apaixonado por Kóstia que por sua vez ama Nina, que por sua vez ama Trigórin e, portanto, acaba por se casar com Medvedenko mesmo sem sentir amor por ela.
Machenka segue assim as pisadas de Polina, seu pai, que apesar de continuar apaixonado pela Dorn, que é a médica urologista da região, casou, sem nenhum amor, com Shamráev, uma ex-sargento aposentada do exército. Resta-nos Sórin, tia de Kóstia, residente da casa onde se passa toda a acção: desejou ser escritora, mas nunca foi, desejou casar, mas nunca casou. E está tudo dito.
Numa segunda instância, observamos o papel figurante da personagem Yakov e interrogámo-nos acerca do que ela – secundária, episódica, desempoderada -, poderia ter para dizer se tivesse voz. E demos-lhe voz.
Entre a pobreza de uns e a riqueza de outros, medos, amores desencontrados, sonhos frustrados, rivalidades concretizadas e por concretizar, entre pobres e e deserdados, será que alguém consegue resistir o tempo suficiente para plenamente realizar os seus desejos?
Interpretação: Ana Catarina Vigário; Bárbara Pais; Bernardo Sarmento; Bruna Herculano; Carlos Daniel; Filipa Costa; Frederica R. Alvarenga; João Duarte Piçarra; Maria Tavares; Rafael Pereira; Teresa Fonseca e Costa
Cenografia: Fátima Gomes; Maria Manada; Raquel Santos
Figurinos: Ana Beatriz Camelo; Inês Braegger; Inês Sanches; Rita Pereira
Luz: Pedro Guimarães
Som: Kiko Rurelas
Direção de Cena: Janne Schröder; Marta de Baptista; Paula Todesco
Produção: Amparo R. de Dios; Inês Carvalhido
Design gráfico: Inês Arinto