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Publicado em: 14 Abril 2020

Revisitar o palco do THSC

A Hora Espanhola, de Maurice Ravel. Transmissão em 15 de abril, 21h30. Ópera apresentada no THSC em março de 2014
Encenação: António Durães

Este concerto teve lugar no Teatro Helena Sá e Costa em março de 2014

Para assistir: https://videocast.fccn.pt/live/idp01_net_ipp/esmaepporto-thsc

REVISITAR O PALCO DO THSC

Quarta-feira, 15 de abril, 21h30
Transmissão da ópera “A Hora Espanhola” de Maurice Ravel

Apresentada no palco do THSC em março de 2014
Encenação de António Durães



 

A HORA ESPANHOLA

Maurice Ravel/Franc-Nohain

 

 “Quando duas pessoas fazem amor

Não estão apenas a fazer amor

Estão a dar corda ao relógio do mundo.”

Mário Quintana 

 

Esta obra, com libreto de Franc-Nohain e que Ravel estreou em 1911, pertence ao chamado género cómico, e foi apresentada na ESMAE e no Teatro Helena Sá e Costa em Março de 2014.

Criada no âmbito do Estúdio de Ópera da ESMAE tinha, entre outros objectivos, o de dialogar com uma outra ópera a estrear em Junho desse mesmo ano, com composição musical de alunos do curso de composição da Escola e para a qual se adoptou o genial texto de Gil Vicente Auto da Índia.

Numa e noutra obra se fala, e esse era o denominador comum, de sexo e de infidelidade. E de tempo. E de como preencher esse tempo com o exercício despudorado de actividades extraconjugais.

Em A Hora Espanhola a acção decorre na oficina de Torquemada, um relojoeiro que tem obrigações profissionais a cumprir, obrigações essas que o levam a ausentar-se de casa afim de verificar (e acertar, se for o caso) todos os relógios da terra. Esse périplo e o tempo que demora a ser cumprido, é o tempo que a esposa de Torquemada tem, uma mulher voluptuosa chamada Conceptión, para compor as mais díspares relações extra matrimoniais que congemina, recebendo amantes das mais diversas proveniências sociais e intelectuais. A hora espanhola é, portanto, o modo como os espanhóis (e as espanholas, no caso) ocupam esse lapso de tempo, evitando o tédio, “dando corda ao relógio do mundo”.

No Auto da Índia, peça irmã que não veremos nesta sessão, é precisamente do mesmo que se fala: como passa o tempo a senhora da casa, de modo a entediar-se o menos possível na ausência do marido, não por uma hora mas por meses de distância, marinheiro embarcado nas aventuras do caminho marítimo para a India. Apimentando essa ausência.

O que recordo desta experiência cénica, entre tantas boas memórias, é exercício de encontrar na cenografia (de Ricardo Preto) uma espécie de contentor onde coubessem a acção de uma e outra peça, independentemente da natureza musical de cada uma delas. Um território cénico onde as trapaças das esposas se pudessem camuflar e, ao mesmo tempo, deixando claras ao espectador essas mesmas camuflagens, alinhavos bem visíveis da costura narrativa, ampliando-as até se possível. Daí a instalação de pequenas câmaras vídeo que nos possibilitavam diferentes pontos de vista, o de quem chega e surpreende, e o de quem está e é surpreendido. Daí, igualmente, os constantes dispositivos que permitem esconder e revelar, ora os diversos amantes dos outros amantes que chegam e que não podem saber da presença uns dos outros, ora, finalmente, da chegada dos maridos enganados, quase no final, pondo cobro a um extenso rol de enganos e infidelidade. Nas duas obras, espelho e reflexo uma da outra, apesar de distantes no tempo e no género, o leque de personagens é muito semelhante (o intelectual espalhafatoso mas pelintra, o espalha-brasas, e o quase mestre de cerimónias, verdadeiros agentes da acção, a ama no Auto da Índia, e Ramiro na Hora Espanhola) e a todos eles cabe a incumbência de produzir o mesmo efeito dramático.

A propósito deste espectáculo, recupero o que, na altura, escrevi para integrar a folha de sala e a literatura que objectivava ajudar a leitura do(s) espectáculo(s).

“A hora pode ser a espanhola, mas o fuso horário quer-se o português, com a carga toda que lhe reconhecemos, os sinais que o identificam, esta lusitanidade fadista, já a pensar nesse Auto da Índia que em junho daremos à estampa.

No centro das duas obras estará o tempo, pois claro. Bem entendido, que o tempo, enquanto motor da acção secundária, a coisa que mede o tamanho do desejo e o seu sufrágio, a líbido e o seu capital cómico, o descomprometimento fora do acordo ou em desacordo com ele, a libertinagem, o sexo. Porque é isso que está no centro da acção. Desde o princípio, desde a pré-história da maçã. Também aí, o tempo, conceito inexistente até então, apenas dito pela palavra de Deus, que fez o mundo conforme este ou aquele calendário, mas inexistente para o homem, porque a felicidade (nesse tempo) era coisa ordinária, suprema mas sem consciência, coisa do dia a dia, até que Constanza, perdão, Eva, sucumbiu ao cantar de Gonzalez, perdão, da serpente. Porque o poeta é um fingidor, perdão, uma cobra falsa que promete num verso o que recusa no verso seguinte, também ele embrulhado com a sua arte, sofrendo realmente a dor que fingia sentir, como se a representasse.

Na Hora Espanhola, como no fuso horário do Auto da Índia.

As duas narrativas habitarão a mesma casa cénica enquanto contentor de possibilidades espaciais várias, mesmo que variando nas suas múltiplas possibilidades, colocando enfoque na questão do tempo, essa parcela contável (e cantável) que determina e se traduz, no dizer de uma das personagens de Shakespeare, no espaço que reduz o nosso caminho em direcção "à cova".

Antes disso, é gozar o que manda a natureza. Quem pode contrariar os versos de Vicente, que em junho haveremos de cantar, quando Constanza, perdão, a Ama, disser à Moça: Partem em maio daqui, Quando o sangue novo atiça, Parece-te que é justiça?”

António Durães


Tradução do libreto - Ana Sofia Vintena
Direção Musical - Bruno Martins
Coordenação Musical - António Saiote
Apoio Dramatúrgico e de Movimento - Cláudia Marisa
Cenografia - Ricardo Preto
Figurinos - Filipa Carolina
Desenho de Luz - Rui Damas
Som - José Prata, Renato Ribeiro, Pedro Feio
Vídeo - João Barros
Direção de Cena - Raquel Raposo
Design Gráfico - Pedro Serapicos
Produção - António Salgado, Inês Amaral Mendes, Regina Castro
Coordenação Geral - António Salgado 
Coordenação da área de Figurinos - Manuela Bronze
Coordenação da área de Produção - Regina Castro
Coordenação DAI - Olívia Silva, José Alberto Pinheiro
Técnico de Luz - Fernando Coutinho
Fotografia - Rafael Farias
Assistente de Cenografia - Carlos Neves
Assistentes de Figurinos - Hugo Bonjour e Letícia dos Santos
Confeção de Figurinos - Manuela Lopes, Olga Shumska 
Pianistas Correpetidores - Daniel Costa e David Ferreira 

Intérpretes
Torquemada: Almeno Gonçalves/Tiago Costa 
Gonzalve: Tiago Costa /Almeno Gonçalves 
Concepcion: Ana Sofia Vintena /Mariana picado 
Ramiro: Ricardo Rebelo/Carlos Meireles 
Don Iñigo Gomez: Sérgio Ramos


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